346. Os Homens que Não Amavam as Mulheres

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
Postado por Selton Dutra Zen


(Bom)

Em 2009, um diretor sueco (cujo nome não me recordo neste momento) leva às telas o livro "Os Homens que Não Amavam as Mulheres" (na forma de um filme homônimo excelente), primeiro exemplar da trilogia Millenium, de Stieg Larsson, um dos mais influentes jornalistas e ativistas políticos da suécia. Sete meses depois, Daniel Alfredson decide dar continuidade a série e dirige os dois outros volumes da trinca. Lança o medíocre "A Garota que Brincava com Fogo" e, apenas dois meses depois, fecha a trilogia com o quase mediano - porém bom, "A Rainha do Castelo de Ar". Para início de conversa, fica muito claro que Alfredson não captou o clima do primeiro filme e levou o resto da saga por um caminho nada bom, excluindo o suspense e o intrigante ar de mistério e acrescentando no lugar, uma direção pretensiosa e um roteiro mal trabalhado e insípido ao extremo. E era justamente este meu receio acerca desta desnecessária refilmagem de "The Girl With the Dragon Tatoo". Temia que David Fincher não entendesse o espírito do primeiro filme e o transformasse em uma obra sem a acidez do original, covarde e negativamente palatável ao público estadunidense, para o qual este filme é voltado. 

E, nossa, como é bom ser surpreendido! Se não fosse pelo sempre ótimo Fincher, este filme poderia sim se render às manipulações cinematográficas norte americanas, porém, a mão firme do cineasta na direção cuida de entregar ao público um longa tão mordaz quanto o de 2009. Até as cenas mais pesadas do sueco - de estupro e sexo -  estão transpostas aqui de maneira igualmente chocante e graficamente muito violentas. Ouso dizer até que, estritamente nas cenas de coito (isso não se aplica às de abuso sexual), esta versão de 2011 é mais ousada e explícita que a de 09, por mostrar, inclusive, a vagina de Rooney Mara, coisa que não me lembro de ter visto na outra versão. E alguns de vocês podem estar pensando: "Mas que relevância isso têm à narrativa?". Muita. Muita relevância! Não exclusivamente na aparição do órgão genital da protagonista, mas sim na crueza das cenas de estupro, principalmente. Se as mesmas fossem retratadas de forma convencional, poupando o espectador das imagens grotescas e desconfortáveis, o roteiro não teria o mesmo efeito, nem a mesma força. Uma vez que vemos o ato em si, tomamos as dores da personagem e passamos a compreender melhor o motivo de seu estado psicológico, esporadicamente explorado pela trama. E, por falar em trama, ela se desenrola da mesma forma que o original, com algumas cenas praticamente idênticas, narrando a investigação de um jornalista (Mikael Blomkvist) e de uma hacker (Lisbeth Salander) acerca de um crime ocorrido contra uma menina, desempenhado por algum membro da própria família da garota. 

Assim, poucos diretores além de David conseguiriam refilmar algo com o objetivo estritamente comercial como este aqui da forma como foi feito. Apesar de imitar inúmeras passagens de seu antecessor, o realizador ainda consegue acrescentar sua marca registrada, sua agilidade soberba, sem deixar de lado o foco e o requinte do longa da década passada. Começo citando a aberta sensacional que, de longe, merece o patamar de melhor sequência de créditos inicias que Fincher já dirigiu! A sincronia fantástica da animação com uma versão digna da excepcional música Immigrant Song, do genial Led Zeppelin, fazem os créditos de "Clube da Luta" e "Seven" parecerem brincadeira de criança! Além disso, como de praxe nos trabalhos do realizador, a parte técnica é excepcional. Iniciando pela fotografia que, basicamente, alterna entre tons azulados e amarelados (refletindo a carga emocional da cena, bem como a locação em que decorre) acertadamente, passando pela montagem inteligente que emprega cortes certeiros nos momentos corretos, enquanto une cenas através de alguns elementos em comum (como duas pessoas acendendo cigarros), finalizando nas sublimes edição e mixagem de som, que entregam um áudio limpo, preciso e contribuinte à narrativa.

Para completar, o desempenho do elenco é também digno de ressalvas. Daniel Craig está ótimo, porém, desaparece perto da performance de Rooney Mara que, poderosa e cativante, reconstituí perfeitamente Lisbeth, sem deixar de acrescentar alguns trejeitos a mais na personagem. Apesar de não merecer ganhar em melhor atriz no Oscar deste ano, ela com certeza fez por merecer um lugar reservado para si nesta categoria.

E, em uma comparação inevitável entre os filmes de 2009 e 2011, ainda fico com o de 09. Porém, este aqui não está muito longe do mesmo patamar.  Assim, espero que, como David Fincher definitivamente entendeu o universo da série, refilme os outros dois números, pois se se apossando de uma obra de excelência como "Os Homens que Não Amavam as Mulheres" já conseguiu desempenhar este ótimo exemplar, imagine o que ele faria com os outros dois filmes fracos do trio?

Gênero: Suspense
Duração: 158 min.
Ano: 2011

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