370. Segredos de Sangue

domingo, 28 de julho de 2013
Postado por Selton Dutra Zen 1 comentários


(Mediano)

Chan-wook está tentando se "norte-americanizar". Abandonar sua terra e colocar os pés em Hollywood. Felizmente, para o cineasta já consolidado na Coréia do Sul, mudar de ares não significa abandonar suas raízes. Sua abordagem recorrente (sempre ousada e brutal) continua neste seu primeiro exemplar hollywoodiano. Mas, claro, em escala reduzida... até demais.

Mia Wasikowska é India Stoker, uma garota à beira da maioridade descobrindo sua sexualidade e instinto violento, após a morte de seu pai. Regida por uma mãe distante e alienada, Evelyn (Nicole Kidman), se encontra ameaçada pela presença cativante e letal de seu tio, Charlie. Um drama de potencial melodramático, se não fosse levado às telas por Chan-wook Park que, como bom coreano, não hesita em adicionar uma morbidade crescente ao longa. Mas talvez Park tenha se esquecido de que produz, agora, para o comércio hollwoodiano, e que o caráter liberal e extremista de seu cinema anterior não mais pode ser empregado. "Segredos de Sangue" provavelmente é marco zero para um novo cinema do diretor: mais implícito e contido, mais hipócrita. Não pode mais impactar com tramas mirabolantes como na inexorável trilogia da vingança. Tampouco chocar como "Oldboy". Dessa forma, visivelmente as intenções do sul coreano são boicotadas nesta película. "Segredos de Sangue" para sempre na beira do rio, quando o assunto é polêmica. Molha os pés mas não tem coragem de atravessar. O que, inclusive, soa estranho aos habituados a sua cinematografia. 

Claro que a culpa não foi de Chan-wook, mas certamente de seus produtores. Agora, se há algo a destacar como demérito do próprio cineasta é sua inabilidade ao explorar seus personagens. Supostamente tentando aprofundar diversas camadas destes, o diretor se revela ineficiente em uma construção mais concisa e verossímil de suas criações. Até porque, pelo menos ao contato que tive com o diretor, não lhe interessa muito o aprofundamento dos mesmos, mas apenas usá-los como objetos para extrair o máximo de emoções do espectador. O problema é que "Segredos de Sangue", como não conta com tantas emoções únicas e chocantes, necessita recorrer não apenas à imagem, mas aos personagens, para se sustentar. E o problema reside aí. A mais complexa talvez seja India, com a profundidade de um pires. Evelyn, então, atinge o cúmulo da má exploração. Mais se assemelha a uma figura esculpida em cera que um ser humano propriamente dito. O próprio personagem do tio, que leva a trama à frente e esconde um segredo, não consegue passar de mais uma alegoria antipática em tela. E o problema é agravado já que os primeiros 30 minutos de filme, até a trama se desenrolar mais um nível, se prende demais e tenta cativar com estes mesmos personagens. O que resulta, então, em uma sequência de cenas, em sua maioria, dispensáveis. 

Não obstante, as atuações não colaboram em nada para que o estigma de personagens-bonecos seja quebrado. Kidman está em uma de suas piores performances. Mais fria e inexpressiva, impossível. Matthew Goode (no papel do tio) deveria cativar como conquistador, mas só consegue lançar olhares baratos e escandalosos, o que me faz pensar que Evelyn - que demora bastante para notar que seu amado parceiro não é tão devoto assim - tenha alguma disfunção psicológica. E isso até justificaria a pobreza de sua performance e personagem. Por fim, Mia Wasikowska, a protagonista, soa insossa, porém menos inexpressiva que seus companheiros de cena. 

Contudo, em despeito de tantos pontos negativos, principalmente no que tange à submissão de um dos mais prolíferos diretores coreanos aos padrões de Hollywood, há algo que Chan-wook não perdeu e o emprega da melhor forma possível: sua montagem dinâmica, divertida e única. Os flashbacks extremamente bem costurados à trama se unem a uma montagem dialética, enquanto amarrados por uma trilha sonora excepcional do igualmente soberbo Clint Mansell. Há o humor ácido costumeiro e, como sempre, a montagem se torna um personagem independente que, no caso deste filme, soa mais interessante que qualquer outro elemento em tela e é responsável pelo real êxito da produção. 

Isto, aliado à uma ótima fotografia, cuida de tornar "Segredos de Sangue" uma obra com cheiro e alma do bom e velho Chan-wook Park, ainda que muito boicotado. E, com isso, a incursão do realizador nos E.U.A pode representar duas coisas: ou a queda de um excelente cineasta, ou um novo sopro de originalidade ao cinema hollywoodiano. Como "Segredos de Sangue" permanece em cima do muro, espero que a segunda opção se concretize. 

Gênero: Drama/Suspense
Duração: 98 min.
Ano: 2013

369. O Lugar Onde Tudo Termina

domingo, 21 de julho de 2013
Postado por Selton Dutra Zen 2 comentários


(Bom)

P.S: Este texto contém spoilers!

"O Lugar Onde Tudo Termina" se inicia com um plano sequência de quatro a cinco minutos, que abriga os créditos iniciais e nos introduz, em primeira mão, ao universo obscuro de seu protagonista. A abertura conduz nossa percepção a dois caminhos: primeiro, de que já vimos a mesma história incontáveis vezes em outros dramas (homem do submundo precisa aprender maturidade para cuidar de seu filho) - alguns muito melhores, aliás - e segundo, que talvez este tenha algo mais a acrescentar, dada sua estética dissonante da maioria dos longas dramáticos da atualidade. Porém, não é necessário um grande esforço para encontrar, explícita, a fonte da suposta originalidade: basta retornar um ano, revisitar "Drive", e esta percepção de dissonância cai por terra.

A início de conversa, é muito difícil analisar por completo este longa sem revelar alguns pontos importantes que poderão estragar a surpresa dos espectadores que ainda não o conferiram. Por isso, estejam avisados: este texto se destina àqueles que já o assistiram. Isso porque sua narrativa é fragmentada em duas partes. A primeira, protagonizada por Ryan Gosling e a segunda, alavancada por Bradley Cooper. 

Gosling interpreta Luke, um experiente motoqueiro que desafia o globo da morte a cada nova apresentação em um parque de diversões, para se sustentar. De súbito, descobre a existência de um filho seu e decide por abandonar seu atual emprego, conseguir algo mais substancial e menos arriscado, para poder sustentar, não só a ele, mas também seu filho e sua ex-namorada, mãe da criança. Arriscado, porém, se revela algo do qual Luke não consegue se desvencilhar. Impulsionado por um conhecido e empregador seu, começa a roubar bancos e vê nisto um futuro promissor. Não tarda para que seus planos sejam desfeitos quando um de seus roubos sai do controle.

Nesta primeira parcela da projeção, o que mais impressiona e satisfaz é o tom conservador da estética e da direção. Optando por apresentar e desenvolver seus personagens mais lentamente que o habitual, o diretor Derek Cianfrance (o mesmo por trás do igualmente satisfatório "Namorados Para Sempre") consegue desfilar uma galeria de personagens de forma homogênea à narrativa, dando tempo para que o público se acostume, conheça e tome as dores de seus personagens quando algo desagradável lhes acontece. Algo que funciona muito bem, inclusive, pela qualidade das performances em tela. Eva Mendes, como a ex-namorada de Luke, está natural e precisa em seu trabalho. Mesmo que seja coadjuvante, como na maioria dos filmes em que trabalhou, não são raras as sequências em que chama tanta atenção quanto os protagonistas. Porém, é Ryan Gosling que merece maior enfoque. Sua performance também é contida (o que conversa bastante com a de Mendes) e extremamente eficaz. Não há dúvidas de que este astro seja sim um ator muito acima da média. Mas vale citar, e acredito não estar sendo cético demais, que sua interpretação em muito lembra - e emula - a sua própria no excelente e ironicamente poético "Drive". O que, como mencionei no primeiro parágrafo, não acontece apenas por parte do ator, mas da própria direção. Diversos momentos tentam recriar a ambientação e atmosfera do filme de um ano atrás. Basta notar a fotografia metódica e principalmente a montagem contemplativa (ou o que se acredita ser), com seus constantes transfades lentos. A própria construção das cenas se relaciona com o que Winding Refn fez em "Drive". Isso, claro, pode representar perigo e botar em cheque até onde "O Lugar Onde Tudo Termina" é original por si mesmo e onde dá uma espiada com canto de olho no colega da carteira ao lado. 

Contudo, há algo no diretor que é de sua própria capacidade e também o maior trunfo do filme: Cianfrance estudou, entende o roteiro que escreveu e sabe como contá-lo através de imagens. Repleto de plot twists, que nunca deixam a peteca cair durante a projeção, o diretor/roteirista vai evoluindo sua narrativa de forma inteligente e aplica as reviravoltas no exato momento em que devem acontecer. Levando-se em conta que havia conseguido que seu público nutrisse forte empatia pelas personas em tela, as reviravoltas soam chocantes, certeiramente abruptas e a alma do filme, por assim dizer. A triste realidade é que se tornou comum de uns anos para cá, que os dramas fracassem em chocar o espectador sem apelar ao choque gráfico. Mas de uma coisa o público de "O Lugar Onde Tudo Termina" pode ter certeza: que não vai se conservar impassível durante seus 140 minutos de projeção. Isso, numa época onde o cinema mais popular está anestesiado, representa muito. 

Outro ponto a se considerar, e que vem somar à ideia de "ousadia" por parte do diretor/roteirista é a morte do protagonista em 50 minutos de projeção. Quando um de seus assaltos dá errado, Luke é perseguido por Avery, um novato policial (interpretado por Bradley Cooper), que acaba surpreendendo e matando o atual protagonista. Automaticamente, se inicia a segunda parte da projeção, com o próprio Cooper atuando como artista principal. 

Exibido pela mídia como um herói, Avery sente a culpa de ter deixado um bebê órfão, que só é maximizada quando um grupo de seus amigos, também policiais, chantageia a ex-namorada de Luke para roubar o dinheiro que o falecido havia deixado ao seu bebê. 

Nesta segunda parte, há a impressão de que um antigo filme acabou e um novo começara. A estética lenta parece ser abandonada em detrimento de algo mais objetivo, direto. O que, não sei se propositalmente, acaba refletindo o próprio personagem, que é uma figura mais decidida, centrada e fria. Não há espaço para apreciação, apenas para ação. E é nela que somos apresentados a diversos outros personagens (já que muitos da primeira parte foram jogados de escanteio), incluindo os filhos adolescentes de Luke e de Avery. Eles, de certa forma, acabam tirando uma parcela da responsabilidade do personagem de Bradley de levar o filme nas costas, mas em despeito disso, Cooper consegue sim, ao que se compete, levar sua trama adiante sem enfraquecer um momento. E é notável esta evolução do ator nos últimos anos. Basta comparar seus últimos trabalhos (este aqui e "O Lado Bom da Vida") aos seus anteriores e avaliar a óbvia evolução de sua interpretação. Já não é apenas mais um galã de comédias românticas, ele tem algo a expressar.

Assim, com um encerramento que em nada deixa a desejar aos outros momentos chocantes e tensos do longa, "O Lugar Onde Tudo Termina" se revela um bom drama. Embora nada memorável ou endeusável, vale por não ser mais um ponto comum de uma trama já batida. Mesmo que essa diferenciação seja um tanto questionável.

Gênero: Drama
Duração: 140 min.
Ano: 2012