358. Trabalhar Cansa

quinta-feira, 23 de agosto de 2012
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(Muito bom)

P.S: Este post contem spoilers.

Em meio a uma gigante leva de filmes nacionais que trabalham temas muito próximos, clamava-se para que algo mais enfático e destoante fosse produzido em nosso país, no âmbito cinematográfico. "Trabalhar Cansa", portanto, deve instigar a atenção de muitos cinéfilos do Brasil justamente por sua diferença dentre as demais produções fílmicas brasileiras. 

A começar pela plot, atípica para nossa realidade e que se desfaz de todos os pontos comuns de longas do Brasil, tratando da vida decadente de um casal que - após o patriarca perder seu emprego - decide abrir um mercado em seu bairro. Tudo, porém, vai de mal à pior e a vida de toda a família é inundava por uma maré de maus agouros e desventuras diárias. E se vocês, leitores, notaram algumas semelhanças com o cinema de Haneke, estão cobertos de razão. Pelo tom cru, lento, analítico e mórbido com que a história é conduzida, constantemente nos deparamos com referências sutis à obra do mestre austríaco. Notem, por exemplo, em uma das cenas de encerramento, quando vemos apenas um carro percorrendo as ruas da cidade, que esta é uma cena bem semelhante ao encerramento de "Tempos de Lobo" - quando o trem finalmente chega à estação. Representa, ainda, uma guinada positiva na vida do casal, do mesmo modo que o trem materializa as esperanças de salvação dos sobreviventes do filme de Michael.

E, falando em simbologias, a dupla de diretores é muito feliz ao empregar inúmeras delas em momentos precisos da projeção. Além do mais, ambos conseguem criar e manter um clima denso de mistério acerca da sobrenatural explicação dos fatos. Para tanto, se utilizam de passagens macabras e instigantes na tentativa (acertada) de nos prender a tela do primeiro ao último minuto. O cão latindo, o esgoto vazando do tubo, a parede apodrecendo, as inúmeras evidências achadas no local - abandonadas pelos antigos proprietários - e até mesmo a relutância do dono do galpão em alugá-lo exprimem idéias interessantes do que poderia ter acontecido naquele mesmo local, sob a posse dos antigos donos. Obviamente, os protagonistas ignoram os alertas. A consequência, portanto, é o total descarrilhamento financeiro, familiar e individual que cada membro passa, seja no grupo, ou isolado dele. 

Outro acerto dos realizadores é adicionar coadjuvantes obscuros e desconfortantes para causar um estranhamento positivo no espectador durante toda a projeção. Nisso, contribui também a montagem, lenta, que enfoca (em dados momentos), por diversos segundos, apenas dois personagens em silêncio que a todo momento parecem estar prestes a explodir, sem motivo. Ou melhor, sem motivo não, já que - dependendo da interpretação que se faça - pode-se culpar o mercado (a maldição dele, melhor dizendo) por praticamente todas as catástrofes na vida das figuras principais. 

A paranoia, a angústia e a densidade surgem, naturalmente, da junção de todos estes elementos sufocantes. E preparam o público para o final inesperado... 

Só não digo que a direção acerta em todos os aspectos porque é impossível ignorar a tamanha catástrofe das atuações. Certo que o filme é independente e isso justifica até certo ponto. Porém, a ruindade das performances é tão estapafúrdia que transcende a linha do aceitável e justificável. Neste caso, fica nítido que a culpa merece ser depositada nas costas dos cineastas, já que, constantemente, percebíamos os atores muito inexperientes se perdendo em meio as cenas, aguardando orientações e refilmagens por parte da dupla comandante. Até porque quase todos estavam praticamente iniciando suas carreiras no cinema. Confesso que isso tenha quebrado um tanto o clima de algumas cenas, embora nada tão grave a ponto de comprometer o projeto inteiro. 

Projeto esse, aliás, que se encerra de forma bem surpreendente e multifacetada. Por mais bizarra que a produção possa transcorrer, jamais imaginaria a revelação perturbadora do final. Não bastasse esse chocante desfecho, "Trabalhar Cansa" ainda finaliza com uma crítica ao comodismo e às pessoas capazes de tudo para se salvar e esconder sua real natureza.

Gênero: Drama
Duração: 99 min.
Ano: 2011

357. 360

terça-feira, 7 de agosto de 2012
Postado por Selton Dutra Zen 2 comentários



(Muito bom)

P.S: As passagens em itálico contêm spoliers!

Fernando Meirelles parece ter obedecido à regra de “se quiser ganhar dinheiro com cinema, vá ao exterior” e obtido êxito. Após relativos sucessos, como “O Jardineiro Fiel” e “Ensaio Sobre a Cegueira” – nos quais trabalhou com grandes nomes do cinema atual -, o cineasta brasileiro decide apostar em território comum, sem inovar em nada, tampouco sair de uma zona de conforto, porém, a inteligência da direção do realizador acabou por esquivar este drama do genérico, embora ainda esteja muito distante de algo memorável.

Apostando em uma trama fragmentada, “360” nos remete as vidas de inúmeras pessoas se cruzando ao longo da narrativa, seja de maneira nociva ou não. Todavia, mesmo com esta plot, não se iluda pensando que os cruzamentos serão dramáticos ou desesperadores (como nos longas de Iñarritu, para citar apenas poucos exemplos), já que o roteiro caminha por uma estrada mais simples e cautelosa, nos apresentando a pequenos eventos, que afetam parcialmente a vida das personagens (com exceção do drama do dentista e de sua ajudante – esse sim, algo mais mórbido), sem arruinar suas existências por completo. E aí reside o primeiro trunfo do filme: sua ausência de pedantismo. Tudo o que vemos em tela é a vida como ela é, cheia de altos e baixos, perdas e ganhos ou esperanças e desconsolos, não precisando apelar para eventos gritantes para conquistar o público ou levar a trama adiante. Outro fato interessante de se notar, é a falta de aprofundamento dos personagens. Raros são os momentos em que mergulhamos em seus psicológicos ou discutimos suas características, já que o script se revela bem raso nisso. E estes dois pontos citados anteriormente são os maiores alvos de críticas negativas, neste longa. Contudo, é preciso analisa-lo de acordo com sua proposta, que não é a de simular um Alejandro-González, mas de apenas expor pequenas crônicas diárias, perfeitamente capazes de acontecer com todos nós, mesmo que não estejamos envolvidos no submundo do crime ou do tráfico. A falta de aprofundamento, portanto, soa como uma alternativa interessante de exprimir esta sensação, junto das pequenas dimensões das tragédias.

E, para enfatizar ainda mais essa premissa, a montagem se revela precisa ao intercalar perfeitamente a vida de cada personagem e discernir claramente o espaço e tempo. Algo destacável dentro do âmbito técnico, também, é a edição, que se apossa de efeitos já ultrapassados e os transforma em algo fresco e útil. Um exemplo pode ser visto nas sequências de telas divididas em duas ou três janelas. Este recurso geralmente pende para o lado do exagero, ainda mais em um drama intimista. Felizmente, os editores conseguem manejá-lo de forma a se tornar uma função sutil e requintada nas cenas. Igualmente louvável, ainda sobre edição, são os efeitos de transição de cenas, delicados e inteligentes. Um belo exemplo é – na cena em que o dentista sofre pela partida de sua amada no aeroporto – quando um avião atravessa a tela, marcando uma mudança de cena, alterando o tempo e lugar de forma discreta. Não obstante, a trilha sonora trata de apresentar características dos países nos quais os personagens se encontram. Assim, quando uma história se desenrola pela primeira vez na França, uma canção francesa serve de abre-alas para a introdução da sequência e mesmo para criar um clima certeiro.

E se sobre a técnica tenho apenas o que elogiar, do elenco não posso fazer o mesmo. Apesar de todos cumprirem seus papéis corretamente, ninguém (com exceção de Anthony Hopkins e Jude Law) se destaca. Rachel Weisz e Maria Flor disputam o primeiro lugar do título de “Performance mais sem sal do filme”. Acho que Weisz ganha com ligeira vantagem.

Finalmente, as maiores congratulações devem ser concedidas à Meirelles que, expressando uma direção segura e inteligente, consegue amarrar todas as pontas do filme da melhor maneira possível. Além disso,  Fernando emprega um recurso certeiro e muito eficaz no longa: a grande quantidade de personagens, que são apresentados ao longo da narrativa, gradativamente, de forma natural, orgânica e crível. Evitando um atropelo de personas e o desgaste da trama. Com a constante inclusão de novas figuras, “360” vai se renovando e adquirindo uma vida nova a cada pessoa inédita. O roteiro, consequentemente, não perde o ritmo e ainda ganha a oportunidade de traçar uma rima com os 360 graus (ângulo que representa um círculo completo). Afinal, nós andamos, andamos e não saímos do lugar, caminhamos em círculos e sempre voltamos ao mesmo ponto. Por fim, alguns dos personagens se renovam, outros continuam como antes, mas a mensagem central Meirelles já expôs, através de um filme que se encerra do mesmo modo que se inicia: em círculos contínuos. 

Gênero: Drama
Duração: 110 min.
Ano: 2011