329. Melancolia

sábado, 22 de outubro de 2011
Postado por Selton Dutra Zen

(Excelente)

Obs: Este post contém spoilers!

Lars Von Trier não dirige filmes com o intuito de divertir o público, pelo contrário, ele busca o desconforto do mesmo. Suas obras possuem um caráter manipulador sem igual. E além de manipular, ainda propõem uma análise sociológica da humanidade. Aqui, em "Melancolia", nota-se que Von Trier deixa de lado a sociologia, para se focar ainda mais no psicológico de seus personagens. E isto, associado à alguns fatores que discutirei a seguir, me fizeram terminar de assistir esta produção tremendo de nervosismo!

Desta vez, o diretor dinamarquês leva às telas a história de Justine (Kristen Dunst), uma publicitária depressiva e recém-casada e Claire (Charlotte Gainsbourg), sua irmã milionária, que vive com o marido e o filho pequeno. O fato é que a depressão de Justine já atingiu parâmetros inimagináveis, devido, principalmente à sua irmã se recusar a acreditar que ela é portadora de depressão (afirma que Justine está simplesmente triste) e, consequentemente, não procura tratamento adequado para ela. Isto acaba deturpando de certa forma a relação entre as duas e desmantelando seus psicológicos mais ainda. E, não obstante, um planeta nomeado Melancolia está em rota de colisão com a Terra. Todos irão, inevitavelmente, morrer. Porém, a morte soa como um alívio para Justine, que não possui forças nem para cometer suicídio. Assim, Melancolia faz o "trabalho pesado" para ela, que, por sua vez, só precisa sentar e esperar o fim dos tempos. Em contrapartida, sua irmã Claire possui algo a perder: seu filho. Isto resulta em uma inversão de papéis. Se na primeira metade da projeção era Justine quem sofria, agora, na segunda metade, é Claire quem sofre (e se desespera) e Justine se alegra com a chegada do fim.

E é nesta inversão que nos damos conta do quão genial é o roteiro, que, além de tudo que citei acima, aborda a depressão da forma mais fiel e verossímil possível. Isso, claro, é mérito do próprio Lars Von Trier, assumidamente portador de TOC e depressão, que carrega consigo a capacidade de expor na tela toda a sua angústia, todo o seu sofrimento, por meios de seus personagens centrais que sempre sofrem de alguma forma em suas obras. Aliás, não consigo pensar em alguém (ainda vivo) melhor para dirigir um filme que aborda um tema como este. Sua direção, bem como seu roteiro, é precisa, sensível e acertada. Me fez sentir na pele o que uma pessoa depressiva sente diariamente. Claro que o fato de eu ser portador de TOC auxiliou nesta sensação, mas a grande parcela do mérito (ou da culpa?) foi de Von Trier, com sua direção e seu roteiro soberbos!

E, se uma parcela do mérito de me fazer sentir deprimido foi de Lars, e outra foi da minha condição psicológica (já tratada), o restante foi proveniente das excelentes atuações. Quem menos merece reconhecimento aqui é Kiefer Sutherland, como o marido de Claire, que está, digamos, acomodado demais (no sentido negativo da palavra). Por outro lado, Charlotte Gainsbourg equilibra o erro de Kiefer com seu desempenho maravilhoso. Mas quem mais se destaca é Kristen Dunst, principalmente pela sua evolução como atriz, que acostumada com personagens vagos e desinteressantes, dirigidos por, em sua maioria, diretores descompromissados, se sai muito bem dominando de forma magistral o mundo da doença psicológica abordada aqui e suas consequências. Sua interpretação é introspectiva, exata e precisa, como o diretor que a dirige.

A trilha sonora maravilhosa, utilizando-se da composição "Tristão e Isola" de Richard Wagner, é outro elemento que contribui ainda mais para a criação e manutenção do sentimento de tristeza e deslocamento.

Para finalizar, como boa obra de excelência, a parte técnica é impecável. Os efeitos visuais são eficientes e a direção de arte desempenha sua função de forma correta, porém o que mais merece ser aplaudido neste âmbito é a fotografia e a edição de som. A primeira pode ser considerada uma das melhores da carreira de Von Trier. A sequência inicial, com 8 minutos em slow motion mostrando a destruição da Terra, intercalada com o cotidiano da família, é uma aula de edição e, principalmente, de fotografia. A edição de som acaba se estacando mais nos 40 minutos finais de projeção, onde o ruído tenso e contínuo empregado contribui para que a sequência de encerramento (mais precisamente os 15 minutos finais) seja, provavelmente, o melhor momento cinematográfico do ano!

Gênero: Drama
Duração: 130 min.
Ano: 2011

3 comentários:

Daniel Chagas disse...

Trilha do Richard Wagner? Kirten Dunst? Só por isso já valeria a pena, e pelo que vc disse, é realmente imperdível, vai pro topo da minha lista de filmes pra ver! A Kirsten Dunst aliás me surpreendeu, eu a considerava apenas uam atriz mediana pra "Compor Elenco" adaptando aqui um jargão do futebol, mas mudei de opinião após ver o espetacular "Virgens Suicidas", ela subiu muito no meu conceito!

Selton Dutra Zen disse...

Kristen Dunst é uma atriz que possui talento, porém ela precisa ser dirigida por alguém competente que arranque uma ótima atuação dela. E é exatamente o que Von Trier faz aqui em "Melancolia"."As Virgens Suicidas" ainda não vi, mas sei que a Sofia Coppola é uma diretora que consegue extrair ótimas atuações da Dunst pelo excelente "Maria Antonieta".

Hilton Neves disse...

Ótima análise! Peguei, mesmo eu já tendo experimentado um pouco de depressão aqui, um pouco de TOC acolá, antipatia com as personagens, exceto o pequeno Leo; mas tecnicamente Melancolia é perfeito.

Sobre a Kiki, curti a atuação dela em As Apimentadas(acho que é isso) de 00, e em Homem-Aranha.