360. Jonestown - Vida e Morte no Templo do Povo

sexta-feira, 19 de outubro de 2012
Postado por Selton Dutra Zen


(Obra-prima)

Até onde vai a maldade e o poder de convencimento? Desassociadas, dificilmente à níveis catastróficos. Mas, em força conjunta, podem arrasar a vida de pessoas e sociedades inteiras. Jim Jones foi um exemplo perfeito de manipulação. Apostando na fragilidade de seres humanos rejeitados por uma sociedade mesquinha, utilizou-se da religião para conquistar a lealdade de pessoas capazes de tudo - sem exceções - ao seu líder. Um verdadeiro monstro egocêntrico, porém, uma inegável figura obscura e misteriosa.

Sob a proposta de desconstruir esta personalidade macabra, "Jonestown - Vida e Morte no Templo do Povo" tenta entender o psicológico de Jones, bem como seu legado banhado de atrocidades espantosas.  Surgindo como um pastor local, Jim rapidamente conquistou a afeição da população local e fundou a igreja Templo do Povo. Nela, numa jogada inteligente, admitiu a ingressão de negros, que naquela época eram excluídos da sociedade e viram no recinto um local de acolhimento e atenção. Assim, foi fundamentando seu império a partir de afro americanos e recorrentes brancos igualmente manipulados. O fato é que apenas por abordar a trajetória desta criatura horrenda sem concessões e expor casos de alienação massiva, este documentário já ganha uma força gritante, pela carga emocional das situações expostas. Dentre elas, por exemplo, se destacam o espancamento de um fiel no altar, uma pregação acerca da homossexualidade (onde Jones afirmava ser o único heterossexual da Terra) e estupros de crianças.  

A partir de um número considerável de materiais de arquivo e entrevistas de frequentadores da seita, "Jonestown" é inteligente não apenas em narrar a história de vida do referido, mas também ao criticar a alienação popular e a manipulação das religiões sobre mentes fracas. Além, claro, de decupar a mente mórbida da personalidade. Nitidamente compulsivo, Jones desde cedo manifestou uma fixação por poder. Com seu egocentrismo alarmante, partiu numa jornada de domínio, após notar a capacidade de convencimento de alguns pastores de sua região. Em poucos anos, já havia conquistado uma gama relevante de seguidores. Porém. quando seu império ameaçava tremer, em uma atitude covarde - mas ao mesmo tempo cautelosa -, Jim deslocou seus mais de 1000 seguidores para Jonestown, uma cidade modelo planejada por ele e construída em meio a uma floresta de Guyana, na tentativa de dominar absolutamente todos os seus fiéis. E é neste momento que o longa atinge seu ápice. Em todos os sentidos. Se, em primeira instância, sentíamos repúdio e nojo do protagonista deste caso lastimável, agora passamos a sentir horror, medo e tristeza. A cada minuto que se segue na colônia de Guyana, a tensão vai crescendo até atingir níveis absurdos. O que vemos retratado na tela parece ter saído de um filme de ficção. A angústia é crescente e os próprios depoimentos vão adquirindo mais densidade. Culminando, enfim, no suicídio coletivo organizado por Jones, com quase 1000 mortos. 

Poucas vezes um documentário mexeu tanto com meu emocional como os 25 minutos finais de "Jonestown" o fizeram. Ao final da sessão, apenas conseguia tremer de estarrecido e, pálido, murmurar: "Meu Deus, por que tanta maldade?!" Seria eufêmico descrever meus sentimentos após o longa como tristeza. O que sentia era um misto de revolta, mágoa e desespero por termos chegado até esse ponto em nossa sociedade. E não falo acerca de Jones especificamente, mas da alienação de grupos gigantes, que acabam resultando em casos também dramáticos e infelizes para nossa história mundial. 

Deve-se citar também, que "...Vida e Morte no Templo do Povo" possui inúmeros deméritos, principalmente no que concerne a evolução da narrativa, contendo diversas brechas entre alguns fatos. Porém, sob uma visão geral, o efeito e impacto que este documentário me causou foi tão grande que simplesmente não consigo avaliá-lo em menos de cinco estrelas. Certo que esta é uma visão muito particular, mas, independente de o indivíduo considerar ou não estes erros, é inegável que esta obra de apenas 85 minutos desmantela o espectador. Aquele que terminar de assistir a narração e às imagens do notório suicídio, indiferente, não merece ser chamado de ser-humano. 

E, ao final de tudo, quando o choque da sequência de encerramento se esvai em parte, fica a descrença na humanidade. A maior dor é saber que tudo o que foi exposto na projeção, embora se assemelhe demais a ficção, é a mais pura, nua e crua verdade. E a verdade muitas vezes dói. Nesse caso doeu, e muito!

"O que ele fez não foi suicídio, foi assassinato!"

Gênero: Documentário
Duração: 85 min.
Ano: 2006

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