359. Tiranossauro

terça-feira, 25 de setembro de 2012
Postado por Selton Dutra Zen


(Excelente)

Em 2007, Paddy Considine (ator inglês de longa data) decidiu se arriscar na direção de um curta-metragem, ao qual nomeou de "Dog Altogether". O filme de apenas 16 minutos narrava a decadência de um homem explosivo que acumulava uma gigante raiva dentro de si. 4 anos depois, Considine optou por ampliar este curta em um longa-metragem, e chamá-lo de "Tiranossauro". Assim, estreando na direção de seu primeiro longa, Paddy assina seu nome como um realizador promissor, que entende perfeitamente as dores e angústias humanas e sabe tratá-las de forma sublime em tela.

A trama se incia com Joseph, tomado por um ódio incontrolável, descontando suas frustrações em seu cachorro e matando-o. Consequentemente, sendo tachado de diversos adjetivos pejorativos por parte do espectador. Mas, por conseguinte, o roteiro (escrito pelo próprio diretor) cuida de se aprofundar na mente perturbada do protagonista e desconstruí-lo diante de nossos olhos. Notamos, então, um ser humano de carne e osso - não mais um animal irracional - que carrega em seus ombros o peso de um passado dramático e suscetível a mágoas. Aliás, suscetível não, repleto de mágoas. Com isso, Paddy carimba o grande trunfo deste drama: a identificação do público. Não que sejamos necessariamente as mais agressivas pessoas, mas quem nunca sofreu de uma cólera gritante, uma vontade de descontar o sofrimento em algo ou alguém? Quem nunca se arrependeu após gritar com alguém próximo e perceber que o que fez foi uma grande besteira, que se pudesse voltar no tempo, agiria de maneira diferente? Nós cometemos erros. Afinal, somos seres humanos. 

E muitas vezes seres humanos que clamam por ajuda imediata. A situação e o sufoco da vida do protagonista atingiu limites insuportáveis e, mesmo tentando manter a calma, algumas circunstâncias são impossíveis de controlar. A ajuda, então, parece surgir no mais improvável dos momentos. Enquanto foge das consequências de mais uma explosão de raiva, o personagem central vai se abrigar na loja de uma mulher calma, bondosa e extremamente religiosa (e casada). A partir daí, um vínculo romântico surge entre os dois. Vínculo, este, que mudará por completo a vida de ambos. Uma curiosidade interessante de se ressaltar é que o par amoroso (por falta de termo melhor) do protagonista é a recriação da ex-mulher do mesmo, falecida de diabetes - calma, positiva e que sempre procurava enxergar o lado bom das pessoas. O fato é que, como Joseph disse, sua esposa era desprezada e mal-tratada por ele. Consequentemente, ao invés de ajudar o protagonista a sair de sua cólera desenfreada, ela apenas provoca ainda mais o seu lado descontrolado. E o resultado talvez tenha sido mais devastador para ela que para o homem central, já que passa a conviver com uma pessoa mais agressiva (por amor - ou algo que se assemelhe), além de aturar seu marido igualmente nervoso e inconsequente. Neste momento, Considine tece uma linha narrativa interessantíssima e apresenta o âmago do longa: traçar um parâmetro, muitas vezes assustador, da violência verbal e física, do descontrole e da irritabilidade, da raiva propriamente dita. 

Dessa forma, o cineasta iniciante consegue chocar pela brutalidade dos acontecimentos sem a necessidade de mostrá-los em tela. Manifesta repulsa, ódio e compaixão no espectador sem apelar para manipulações baratas e pedestres para criar sentimentos. Até porque - e isso pode soar irônico - apesar da temática, "Tiranossauro" está longe de ser escandaloso e graficamente voraz. Pelo contrário, muitas das questões e críticas são expostas nas entrelinhas e de forma sutil, muito sutil.

Um exemplo didático de sutileza empregada é a direção de arte, principalmente no que concerne à casa do protagonista. Notem que, em uma das poucas visões externas que temos da moradia, onde ela é enfocada por completo, a pintura, o design e a decoração da mesma denotam de forma direta, porém discreta, a aparência de uma prisão. Uma prisão que encarcera a figura-chave do filme. Raros são os momentos de tranquilidade ou descanso que os personagens (com enfoque principal a Joseph) conseguem protagonizar dentro da jaula. Alguns dos poucos sentimentos de quietude discorrem no jardim, acompanhados de um machado e da natureza.

E por falar em calmaria, Peter Mullan - o protagonista - dá um show quando o assunto é externalizar reações emotivas ou até mesmo contê-las. Sua atuação é, ao mesmo tempo, extrovertida e caótica, mas contida e introspectiva, exatamente como exige o personagem a que está dando vida. Vale ressaltar também que sua companheira de cena em momento algum deixa a desejar em termos qualitativos. Algumas cenas que protagoniza são simplesmente aterradoras.

Por fim, dá-se o encerramento fantástico e inesquecível e a pergunta que paira é acerca do significado da palavra Tiranossauro no título. Talvez essa seja a cereja do bolo. Pode ser explicada, da forma mais básica, pelo apelido dado pelo protagonista à sua ex-mulher. Porém, sob uma análise mais profunda, pode-se empregar este termo ao próprio tema do filme, já que se fala muito sobre agressividade e titanismo, poder. Outra teoria se encontra no fato de que, apenas com sentimentos raivosos e impiedosos, nos tornamos meros seres feitos de ossos, "sem emoções", carcaças, esqueletos. Os esqueletos dos titânicos. O que acaba, de certa forma, fazendo uma rima com a primeira teoria de interpretação. 

Após tanta veracidade, angústia e identificação, é quase impossível que o espectador acabe a sessão indiferente. Afinal, "Tiranossauro" é um soco na cara dos hipócritas e uma válvula propulsora de cura aos raivosos. Um excelente filme que, infelizmente, não foi tão prezado como deveria ser e acabou, relativamente, sendo esquecido, inclusive pelo ciclo cinéfilo. 

Gênero: Drama
Duração: 91 min.
Ano: 2011

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