369. O Lugar Onde Tudo Termina

domingo, 21 de julho de 2013
Postado por Selton Dutra Zen


(Bom)

P.S: Este texto contém spoilers!

"O Lugar Onde Tudo Termina" se inicia com um plano sequência de quatro a cinco minutos, que abriga os créditos iniciais e nos introduz, em primeira mão, ao universo obscuro de seu protagonista. A abertura conduz nossa percepção a dois caminhos: primeiro, de que já vimos a mesma história incontáveis vezes em outros dramas (homem do submundo precisa aprender maturidade para cuidar de seu filho) - alguns muito melhores, aliás - e segundo, que talvez este tenha algo mais a acrescentar, dada sua estética dissonante da maioria dos longas dramáticos da atualidade. Porém, não é necessário um grande esforço para encontrar, explícita, a fonte da suposta originalidade: basta retornar um ano, revisitar "Drive", e esta percepção de dissonância cai por terra.

A início de conversa, é muito difícil analisar por completo este longa sem revelar alguns pontos importantes que poderão estragar a surpresa dos espectadores que ainda não o conferiram. Por isso, estejam avisados: este texto se destina àqueles que já o assistiram. Isso porque sua narrativa é fragmentada em duas partes. A primeira, protagonizada por Ryan Gosling e a segunda, alavancada por Bradley Cooper. 

Gosling interpreta Luke, um experiente motoqueiro que desafia o globo da morte a cada nova apresentação em um parque de diversões, para se sustentar. De súbito, descobre a existência de um filho seu e decide por abandonar seu atual emprego, conseguir algo mais substancial e menos arriscado, para poder sustentar, não só a ele, mas também seu filho e sua ex-namorada, mãe da criança. Arriscado, porém, se revela algo do qual Luke não consegue se desvencilhar. Impulsionado por um conhecido e empregador seu, começa a roubar bancos e vê nisto um futuro promissor. Não tarda para que seus planos sejam desfeitos quando um de seus roubos sai do controle.

Nesta primeira parcela da projeção, o que mais impressiona e satisfaz é o tom conservador da estética e da direção. Optando por apresentar e desenvolver seus personagens mais lentamente que o habitual, o diretor Derek Cianfrance (o mesmo por trás do igualmente satisfatório "Namorados Para Sempre") consegue desfilar uma galeria de personagens de forma homogênea à narrativa, dando tempo para que o público se acostume, conheça e tome as dores de seus personagens quando algo desagradável lhes acontece. Algo que funciona muito bem, inclusive, pela qualidade das performances em tela. Eva Mendes, como a ex-namorada de Luke, está natural e precisa em seu trabalho. Mesmo que seja coadjuvante, como na maioria dos filmes em que trabalhou, não são raras as sequências em que chama tanta atenção quanto os protagonistas. Porém, é Ryan Gosling que merece maior enfoque. Sua performance também é contida (o que conversa bastante com a de Mendes) e extremamente eficaz. Não há dúvidas de que este astro seja sim um ator muito acima da média. Mas vale citar, e acredito não estar sendo cético demais, que sua interpretação em muito lembra - e emula - a sua própria no excelente e ironicamente poético "Drive". O que, como mencionei no primeiro parágrafo, não acontece apenas por parte do ator, mas da própria direção. Diversos momentos tentam recriar a ambientação e atmosfera do filme de um ano atrás. Basta notar a fotografia metódica e principalmente a montagem contemplativa (ou o que se acredita ser), com seus constantes transfades lentos. A própria construção das cenas se relaciona com o que Winding Refn fez em "Drive". Isso, claro, pode representar perigo e botar em cheque até onde "O Lugar Onde Tudo Termina" é original por si mesmo e onde dá uma espiada com canto de olho no colega da carteira ao lado. 

Contudo, há algo no diretor que é de sua própria capacidade e também o maior trunfo do filme: Cianfrance estudou, entende o roteiro que escreveu e sabe como contá-lo através de imagens. Repleto de plot twists, que nunca deixam a peteca cair durante a projeção, o diretor/roteirista vai evoluindo sua narrativa de forma inteligente e aplica as reviravoltas no exato momento em que devem acontecer. Levando-se em conta que havia conseguido que seu público nutrisse forte empatia pelas personas em tela, as reviravoltas soam chocantes, certeiramente abruptas e a alma do filme, por assim dizer. A triste realidade é que se tornou comum de uns anos para cá, que os dramas fracassem em chocar o espectador sem apelar ao choque gráfico. Mas de uma coisa o público de "O Lugar Onde Tudo Termina" pode ter certeza: que não vai se conservar impassível durante seus 140 minutos de projeção. Isso, numa época onde o cinema mais popular está anestesiado, representa muito. 

Outro ponto a se considerar, e que vem somar à ideia de "ousadia" por parte do diretor/roteirista é a morte do protagonista em 50 minutos de projeção. Quando um de seus assaltos dá errado, Luke é perseguido por Avery, um novato policial (interpretado por Bradley Cooper), que acaba surpreendendo e matando o atual protagonista. Automaticamente, se inicia a segunda parte da projeção, com o próprio Cooper atuando como artista principal. 

Exibido pela mídia como um herói, Avery sente a culpa de ter deixado um bebê órfão, que só é maximizada quando um grupo de seus amigos, também policiais, chantageia a ex-namorada de Luke para roubar o dinheiro que o falecido havia deixado ao seu bebê. 

Nesta segunda parte, há a impressão de que um antigo filme acabou e um novo começara. A estética lenta parece ser abandonada em detrimento de algo mais objetivo, direto. O que, não sei se propositalmente, acaba refletindo o próprio personagem, que é uma figura mais decidida, centrada e fria. Não há espaço para apreciação, apenas para ação. E é nela que somos apresentados a diversos outros personagens (já que muitos da primeira parte foram jogados de escanteio), incluindo os filhos adolescentes de Luke e de Avery. Eles, de certa forma, acabam tirando uma parcela da responsabilidade do personagem de Bradley de levar o filme nas costas, mas em despeito disso, Cooper consegue sim, ao que se compete, levar sua trama adiante sem enfraquecer um momento. E é notável esta evolução do ator nos últimos anos. Basta comparar seus últimos trabalhos (este aqui e "O Lado Bom da Vida") aos seus anteriores e avaliar a óbvia evolução de sua interpretação. Já não é apenas mais um galã de comédias românticas, ele tem algo a expressar.

Assim, com um encerramento que em nada deixa a desejar aos outros momentos chocantes e tensos do longa, "O Lugar Onde Tudo Termina" se revela um bom drama. Embora nada memorável ou endeusável, vale por não ser mais um ponto comum de uma trama já batida. Mesmo que essa diferenciação seja um tanto questionável.

Gênero: Drama
Duração: 140 min.
Ano: 2012

2 comentários:

Carol Caniato disse...

Como o post começou com "contém spoiler", não li, haha! Mas assisti o trailer do filme e achei muito bom. Gosto muito do Ryan Gosling!
Fiz um blog tem pouco tempo onde escrevo sobre várias coisas, mas principalmente cinema e tava procurando outros do mesmo perfil e achei o seu! hehehe Gostei bastante!
Beijos!
Carol

Selton Dutra Zen disse...

Olá, Carol. Muito obrigado pelo elogio e tenho que dizer que seu recém criado blog é bem promissor, hein!