362. Amour

terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Postado por Selton Dutra Zen


(Obra-prima)

Sublime, supremo, excelso. Inicio meu texto de forma direta justamente para expressar meu amor por esta obra-prima. Ausente de trilha sonora e possuidor de planos longos, "Amour" emociona sem precisar manipular os elementos de cena. É tudo muito cru, muito belo e muito triste. Muito Haneke, afinal.

Logo nos primeiros minutos, somos apresentados à problemática do projeto: um casal (interpretado por Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva) que precisa aprender a lidar com a morte eminente, após a mulher adquirir alzheimer. Seu corpo vai se degenerando rapidamente através de ataques recorrentes. E com essa plot, o espectador já pode notar uma vertente diferenciada a que Haneke costuma abordar. A trama não é pesada, tampouco pessimista. Pelo contrário, é bela e poética. Sobre amor. E o título da obra não poderia ser mais acertado. Conciso e eficaz, apresenta uma noção certeira do conteúdo deste projeto. E um lado alternativo de Michael que até então não havia sido apresentado ao público.

Certa vez, li em uma rede social que o diretor havia levado o amor à uma nova instância, neste filme. Concordo plenamente. Apesar de abordar este sentimento, o realizador austríaco o conduz a um novo patamar. O amor segundo seu olhos e suas crenças. Um amor despido de carícias e bajulações, posto à prova, cru (sem floreios ou músicas edificantes e românticas). Através dos longos planos-sequência - costumeiros do diretor -, somos introduzidos lentamente no cotidiano do casal e apresentados à doença atingindo suas vidas e modificando suas maneiras de enxergar o mundo ao redor.  E, ao mesmo tempo que é cândido e lírico, também pode ser encarado como brutal (daí sim, lembra-se muito de outros filmes do diretor), mas uma brutalidade diferente. A vida contra o pobre casal. A degeneração acontece de forma impiedosa e por vezes chocante. Aí entra a primeira sacada inteligente. O diretor opta por abordar desde a fase inicial da doença, até a terminal, narrando em primeira mão cada etapa pré-morte da protagonista, o que torna tudo mais deprimente. Isto, claro, fazendo um paralelo com a reação dos entes ante a tragédia. Enquanto todos ao redor parecem ter as rédeas da situação, não tarda para que as pessoas se sintam desnorteadas. E o final estarrecedor (o qual não mencionarei, podem ficar tranquilos) é apenas uma consequência de tudo o que foi visto. 

A fotografia meticulosa, que sempre permeia os longas de Haneke, está de volta neste. Com a diferença de que aqui, filma-se quase tudo em um único ambiente, o apartamento do casal. Assim, a câmera adota um tom mais sufocante, aproximando-se dos atores constantemente, para criar angústia. Além do mais, a coloração também obedece ao praxe do diretor e utiliza tons fracos e desbotados. A direção de arte, por sua vez, desempenha um papel fantástico, mas, agora, na construção da história da dupla. Ao observarmos um apartamento muito amplo, com poucos móveis e muito livros e discos, podemos notar que, durante boa parte de suas vidas, os dois primaram por ficar em suas agendas culturais e suas aulas de piano, criando um sentimento leve de nostalgia. 

No casting, apenas as mais altas performances. Jean-Louis Trintignant se sai muito bem como um dos protagonistas do longa. Em diversos momentos, principalmente no terceiro ato, carrega o filme nas costas. Isabelle Huppert, como não poderia faltar, faz uma ponta digna de nota como a filha do casal. É a atração nas cenas em que aparece. Porém, nenhum dos dois é páreo para a monstruosa atuação de Emmanuelle Riva. Com 85 anos, a atriz, que já estrelou diversos clássicos franceses, demostra uma arrasadora capacidade de encarnar a personagem, suas limitações e seus trejeitos. Em cada cena que aparecia, me fazia um espectador mais feliz por contemplar performance tão soberba. Até agora, a melhor do ano. 

E para fechar com chave de ouro, soa até redundante conceder elogios à Michael Haneke, principalmente depois de tudo que escrevi acima. Vale deixar registrado, então, que ele provou ser um cineasta versátil e mais genial ainda. Fugiu de seu ponto comum e realizou um filme maravilhoso. Reafirmando, assim, o que já sabia: ele é um dos diretores mais geniais da contemporaneidade. "Amour", por fim, é a obra-prima do ano. Seria no mínimo constrangedor se a Academia o esnobasse no Oscar, ano que vem. Um dos retratos mais comoventes sobre o alzheimer. Um filme ímpar, um triunfo artístico!

Gênero: Drama
Duração: 121 min.
Ano: 2012

3 comentários:

Hilton Neves disse...

E aí, Selton? Apesar de eu não ter visto Amour ainda, o texto seguramente deu um incentivo!
[]s

Hilton Neves disse...

Enfim vi. E realmente Amour apresenta tudo isso que você expôs. Denso, alcalino, bonito! Nunca fui de ligar muito pra Oscar, porém queria que ele ganhasse.

Selton Dutra Zen disse...

Fico feliz que você tenha gostado!

As chances de ganhar melhor filme são quase nulas, agora, filme estrangeiro não tem para ninguém, é "Amour" sem dúvidas!