(Bom)
Há mais de um ano atrás, sob indicação de uma querida e confiável amiga minha, tive contato com um curta curioso. Deveras desconhecido pelo público cinéfilo e médio, era uma surpresa que ainda continuasse no anonimato. Usando e abusando de efeitos práticos, estética obscura e fotografia angustiante, "Mamá", em seus apenas 3 minutos, aterrorizava mais que muito longa de terror dos últimos anos. Pois bem, não demorou muito para que o potencial do curta-metragem fosse garimpado e transformado em longa, pautado pela produção de Guilhermo del Toro e dirigido pelo mesmo diretor do minúsculo filme.
Usando a "trama" (se é que havia uma) do curta como pedra angular, o roteiro expande a narrativa para que a história renda os minutos-padrão de um longa comercial. Agora, somos remetidos à origem das duas meninas protagonistas de "Mamá" original. Órfãs de mãe, as garotinhas são capturadas pelo próprio pai e, após um acidente, se refugiam em uma cabana no meio da floresta. Lá, o pai é morto por uma criatura extra-humana (Mamá) que decide tomar conta das garotas. Acontece, porém, que as meninas são resgatadas da floresta e adotadas por seu tio (junto de sua namorada). Mamá, naturalmente, volta para resgatar suas amadas "filhas".
Um dos motivos pelos quais decidi assistir a "Mamá" foi para complementar minha experiência com o curta. Entender um pouco mais daquele flash doentio na vida das duas irmãs. Quem e o que é Mamá? Por que estaria cuidando das duas crianças? Qual a explicação de sua existência? Essas incógnitas, como não poderia deixar de ser, são respondidas de prontidão pelo longa. Até então, era o mínimo a ser feito, já que o motivo da expansão de um filme de 3 minutos para 100 era esse. Contudo, esta mais nova produção de del Toro vai um pouco mais além. Lançando uma homenagem clara aos contos de fada (óbvia influência do produtor), cria uma espécie de jogo de referências e alusões aos mais diversos clássicos infantis - que aqui não soam nada infantis, vale ressaltar. A cabana abandonada na floresta, o "Once upon a time..." na abertura do filme, Mamá se escondendo dentro do guarda-roupas e todo o clima outonal cuidam de evocar uma atmosfera de fábula, há tanto perdida.
Infelizmente, esses clichês existentes pelas referências aos contos acabam por deixar de ser apenas relacionados às fábulas e passam a contaminar toda a projeção. Alguns sustos são óbvios, algumas reações genéricas e o desenrolar mais típico e banal, impossível. "Mamá" não nos poupa de um desfile de personagens já conhecidos pelo público, com a mesma roupagem de sempre. Há a mulher determinada que luta com todas as suas forças por um amor que descobre ser muito forte ao longo da projeção, há o psicólogo interessado em investigar a história das garotas (abrindo margem para um flashback esclarecedor gritante) e também a parente preconceituosa que sempre chega ao local errado, na hora errada. Não obstante, o longa também aposta em sequências batidas ou, pelo menos, já utilizadas em outros filmes, como a cena do psicólogo na cabana (a luz da câmera fotográfica como iluminação de cena foi empregada recentemente no terror uruguaio "A Casa") e até as próprias gravações das consultas das meninas, também com o psicólogo.
Todavia, mesmo diante de diversos deméritos, gostei do filme. O diretor é hábil ao evocar um clima de constante mistério e costurar as cenas de forma a tornar tudo fluído. Isso, claro, auxiliado pela eficiente fotografia, que acrescenta um tom de obscuridade a mais à trama já macabra, além de optar muitas vezes por travellings de câmera mais fluídos e, bem... flutuantes (literalmente!). Além do mais, o time de atores convence. Chastain, uma das atuais queridinhas do Oscar, está bem, embora nada fagocitável. Assim, quem leva o filme nas costas é a dupla de garotas que encarnam as irmãs protagonistas. O maior destaque mesmo vai para a mais nova, que com alguns de seus olhares e trejeitos, consegue aterrorizar mais que a própria Mamá em si. Suas aparições em cena, confesso, me deixaram mais tensos que as sequências com a própria criatura.
E por falar na criatura, esta talvez seja o maior divisor de águas que se tem sobre este projeto. Enquanto Mamá surge como uma criatura bem genérica em aparência (nada que já não se tenha visto por aí), é nos trejeitos e grunhidos que realmente perturba. Neste quesito, a edição de som merece nota pela mixagem grotesca dos ruídos guturais emitidos pela criatura. Infelizmente, para que eles funcionem integralmente há de se fechar os olhos e apenas imaginar as dimensões da Mamá, pois se você arriscar uma olhada, sua sensação de terror se esvairá. Sua aparência é simplória e seu design preguiçoso e nada criativo. Sorte que até aparecer completamente na película, consigamos absorver toda sua carga fantasmagórica.
Assim, "Mamá" não é uma completa decepção, embora fique muito aquém, seja em qualidade ou impacto de terror, do curta originário. Funciona como passatempo e possui alguns excelentes momentos - inclusive de originalidade, embora isso contradiga um dos parágrafos acima -, mas tenho certeza de que não irá traumatizar tanto quanto os 3 minutos originais. Pelo menos a mim não traumatizou.
Gênero: Terror
Duração: 100 min.
Ano: 2013
Marcadores:
Críticas