361. Cosmópolis

segunda-feira, 22 de outubro de 2012
Postado por Selton Dutra Zen

 

(Mediano)

A ideia nunca foi tão grandiosa. O tema nunca tão propício. Mas, apesar de tudo, "Cosmópolis" era um dos filmes que mais aguardava este ano. Esta ansiosidade foi conservada por saber que a direção teria o toque do excepcional Cronenberg, que tão bem conseguiu transformar plots absurdas e desmotivadoras em trabalhos interessantes e inteligentes, durante toda sua carreira. Assim, terminei a projeção abismado. O erro mor e chave do filme foi justamente protagonizado por David que, sem muito controle da obra, transformou esta loucura em algo sem sentido, vazio e esquecível ao extremo.

Sua trama gira em torno de um personagem milionário e misterioso que decide sair com sua limusine em um dado dia de sol para conseguir um corte de cabelo. Porém, a cidade parece viver um dia de crise geral, com protestos, engarrafamentos, canos estourados e uma visita presidencial. Assim, durante toda a projeção, empecilhos passam a atingir o protagonista, ao passo que não só a cidade, mas o mundo, entra em colapso. O primeiro erro já é percebido nos primeiros minutos de projeção: a pretensão de Cronenberg. Nunca o cineasta foi tão pretensioso e desnecessário como aqui. A maioria dos diálogos compreendidos até 30 minutos de projeção são o cúmulo da verborragia. Conversas sem fundamento, léxico exageradamente rebuscado e reflexões sobre temas ridículos e dispensáveis. E, levando em conta que praticamente toda a produção transcorre no interior da limusine, apenas com sequências de diálogos, pode-se dizer que ao menos 15 a 20 minutos do primeiro ato poderiam ser facilmente descartados, poupando a paciência do espectador.

Todavia, embora o roteiro peque vorazmente nas linhas de diálogos, acerta em algo que merece ser tachado como o ponto mais considerável do longa: a exploração do personagem. Apresentado como uma persona misteriosa, Cronenberg, inteligentemente, ao longo da projeção vai dissecando-o e expondo características pertinentes e interessantes sobre ele. Em uma visão macro, o reconhecemos como um ser egocêntrico. E durante todo o filme, o realizador canadense vai reafirmar isso com diversos elementos, destacando-se a própria limusine. Impenetrável e à prova de som, o carro funciona como uma fortaleza ao protagonista. Quando está dentro do veículo, ele se isola do mundo (algo que fica bem evidente quando o blecaute dos vidros é ativado) e o mesmo, de certa forma, gira ao seu redor. Notem como as pessoas com quem o protagonista dialoga o fazem sempre dentro da limusine, em seu templo. Além do mais, através das janelas, vemos sempre o mundo passar pelo personagem enquanto ele, com um semblante impassível, discute assuntos diversos sem parecer se preocupar com o que o cerca. Outro recurso interessante é o modo como o cineasta desdobra a crise que assola o mundo, deixando a cargo do motorista levar as notícias mundiais ao personagem central. Tudo isso cria de forma eficaz a sensação de exclusão e egocentrismo, como se o planeta existisse aos pés do protagonista.


Contudo, se David Cronenberg acerta neste quesito, erra em diversas sequências pelo exagero de alguns elementos de cena. Constantemente, o cineasta se perde entre a seriedade e a comédia. Em inúmeros momentos ficava me perguntando se a intenção dele seria criar uma cena cômica ou séria. Para exemplificar, basta notar a passagem do exame de próstata. Enquanto o médico insere o dedo no ânus de Robert Patinson (protagonista), o mesmo continua conversando com sua visita momentânea e fazendo caretas discretas, enquanto o exame dura mais de 3 ou 4 minutos. O próprio carro central, por sinal, pode ser tido como um outro exemplar. Sua alta tecnologia o assemelha muito a desenhos animados. Tudo soa muito satírico.

Vale citar que esta dúvida permeia durante todo o filme, sobre diversos outros elementos, como a produção e a performance central. Claramente pedestre em seus efeitos visuais, "Cosmópolis", em alguns momentos, atinge o ápice (se comparado ao cenário tecnológico atual) da ruindade. O Chroma Key é falso e evidencia a fragilidade da produção, já que a própria direção de arte da limusine deixa a desejar em alguns aspectos. Não obstante, a performance nada inspirada, insípida e inexpressiva de Patinson reafirma a constante dúvida do proposital ou defeituoso. Assim, não consigo concluir se a atuação do fada/vampiro pretende criar um maior deslocamento do personagem em relação ao mundo real, ou se é pavorosa mesmo. Levando em conta o histórico de Robert, estou inclinado a admitir a segunda opção. De qualquer forma, é inegável que tenha servido como uma luva ao seu papel no filme - o que acaba reprisando o caso de Kianu Reeves na trilogia "Matrix".

Pode-se dizer, portanto, que Cronenberg foi deveras infeliz neste seu mais novo projeto. Saiu do nada e chegou a lugar algum. Todavia, é inofensivo, ao final de contas. Longe de ser o maior desastre do ano é um filme que fala, fala, mas não chega a conclusão alguma. Possui uma plot curiosa, que o diretor até tenta explorar e evoluir, mas continua a deixando sem muito o que transmitir, em decorrência de cenas desprezíveis. Uma obra que - espero eu - seja abafada por outros tantos trabalhos excelentes realizados por Cronenberg.

Gênero: Drama
Duração: 106 min.
Ano: 2012

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