Cinefilia 20 - Clássicos: "Veludo Azul"

sábado, 26 de maio de 2012
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P.S: Este texto contém spoilers!

Azul, cor da lógica, da sutileza e do bem estar. Logo em seu título (que foi traduzido literalmente ao português), Lynch deixa claro uma ironia perceptível em pouco mais de meia hora de projeção. Ironia esta, que é muito bem-vinda ao projeto, embora não seja o foco da trama. Este se encontra em Jeffrey Beaumount, um rapaz solitário que certo dia encontra uma orelha cortada em meio a um terreno abandonado. Curioso para descobrir o porquê do órgão decepado, decide se infiltrar no apartamento de Dorothy Vallens (agora, uma referência extremamente cabível à "O Mágico de Oz), uma cantora que acredita-se estar envolvida no caso, teve seu filho e marido sequestrados e vive sob pressão do sequestrador. Consequentemente, Jeffrey é descoberto pela cantora e os dois passam a se relacionar num romance, ao passo que o protagonista (Beaumount) tenta solucionar o caso de sua amante.

David Lynch, após ter saído de sua zona de conforto - a loucura obscura de seus projetos anteriores - e realizado sua obra-prima máxima, "O Homem-Elefante", e uma ficção fracassada, "Duna", decide por se aventurar na ideia de um drama ousado, com pitadas certeiras de sensualidade e mirabolância. Lançou, portanto, "Veludo Azul", em 1986. Ainda que este longa seja bem mais contido que seus curtas de stop-motion ou "Eraserhead" (suas obras esdrúxulas anteriores à esta), Lynch deixa sua antiga marca registrada, principalmente no que tange a fotografia, com angulações e colorações típicas da parte alucinada  da carreira deste diretor. Mas seus toques de psicodelia também podem ser percebidos na transição do segundo para o terceiro ato do filme, quando Jeffrey é capturado por Frank, o sequestrador que atormenta, estupra e escraviza Dorothy. Nesta sequência, o diretor estadunidense promove uma viagem alucinada, que mais se assemelha a um pesadelo, fundindo músicas e imagens perfeitamente.

Contudo, essa não é a alma deste filme. Sua essência se encontra na reflexão que se promove acerca da raça humana...

         "Porque há tantas pessoas como Frank?! Porque 
há tantos problemas nesse mundo?!"

Em dado momento do filme, esta frase é proferida por Jeffrey, após ver Frank estuprando Dorothy. Ela sintetiza o objetivo principal de Lynch: a reflexão acerca dos valores conturbados de nossa sociedade atual. A prova concreta disso é o próprio sequestrador, retratado como um indivíduo perverso ao extremo e perturbado, funciona como a materialização de todo o mal. Além, claro, de ser o agente desencadeador de todos os problemas no decorrer da projeção. Todavia, as análises de David vão muito mais a fundo. O cineasta desconstrói os dois personagens centrais de uma forma enigmática e interessantíssima. Jeffrey surge como uma figura que obedece, primordialmente, seus instintos e justamente por isso não exita em invadir a propriedade alheia, muito menos ir atrás do culpado. Porém, estas atitudes impulsivas do protagonista, ao longo da projeção, acabam se revelando como meras desculpas para mascarar o fato de Beaumount possuir uma compulsão pelo perigo. Isso pode ser provado no instante em que a cantora o questiona do porquê de ele ter invadido sua casa e ele responde: "Não sei". É principalmente este "não sei" que irá guiá-lo até o encerramento do filme. Porém, à medida em que vai se envolvendo mais e mais com a cantora, ele inicia uma jornada de auto-conhecimento, despertada, naturalmente, por Dorothy e que irá mudar seu modo de vida.

Vallens, por sua vez, aparenta ser uma masoquista acomodada e conformada com sua atual situação. Mesmo tendo seu filho e marido apanhados por um bandido, ela continua sua vida, sem parecer se importar muito com os dois. Obviamente, não é isso que ela realmente sente e descobrimos mais tarde que toda a sua estranheza, seu impulso à dor, é provocado por uma imensa tortura psicológica por parte de Frank, que a expõe à situações horrorosas, provocando sua passageira demência, como observa-se na última cena do longa. A perturbação da personagem funciona como válvula de escape do mundo real em que vive. E isto é o mais aterrador: imaginar a tamanha tortura pela qual o psicológico de Dorothy foi submetido, a ponto de o mesmo ter que desenvolver escapatórias absurdas para suportar o drama.

Esta minha análise pode até soar exagerada, mas não totalmente falha, levando em conta o diretor em questão ou mesmo o modo como ele trabalha diversas passagens, como as mórbidas cenas de sexo (e o estupro), que chegam a perturbar de tão animalescas. Associadas à trilha sonora contrastante e à fotografia já citada acima, configuram os momentos mais importantes de apresentação e evolução de personagens, pois é no instante do sexo que os desejos primitivos dos personagens centrais são revelados, quando suas personas são postas de lado e seus medos emergem na tela. E Lynch foi imensuravelmente feliz ao evoluir a trama deste modo, pois soube muito bem abordar perversão, conflitos psicológicos, suspense e loucura.

Em uma visão macro, a filmografia de David pode ser dividida em duas vertentes: a comum e a alucinada. Porém, "Veludo Azul" é uma película que quebra esta classificação, já que flerta muito com o anormal, sem deixar de ser racional. E é claro que há tantos outros filmes que abordam e criticam a natureza humana de forma mais genial que este aqui, porém, esta obra maravilhosa merece um texto próprio justamente por ser lembrada pela maioria dos espectadores somente pela sua trama de mistério e raramente por seu estudo humano. E, apesar de, em seu terceiro ato, o filme desfocar a questão analítica humana, o questionamento já havia sido feito e continua pertinente aos dias atuais! É sórdido, é louco, é racional, é onírico... é uma obra-prima!

"She wore blue velvet;
Bluer than velvet was the night;
Softer than satin was the light from the stars!"

353. Os Vingadores

terça-feira, 1 de maio de 2012
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(Mediano)

Quem me conhece, sabe que não sou uma pessoa que possa ser proclamada como admirador de filmes de super-herói. Não que eu os exclua de meu repertório fílmico, mas simplesmente não dou muita preferência. Isto pode, sim, ter feito com que eu desgostasse em parte deste mais novo sucesso da Marvel, embora não justifique inúmeros problemas que "Os Vingadores" possua.

A trama gira em torno do encontro entre os mais famosos heróis da Marvel Comics (Thor, Capitão América, Hulk, Homem de Ferro, Gavião Arqueiro e Viúva Negra), postos lado a lado (sob o comando de Nick Fury) para salvar o mundo de Loki, vilão original de Thor, que, após roubar uma substância capaz de destruir a Terra por completo, pretende entregá-la a uma raça alienígena, em troca do controle total e soberano de nosso planeta. O que se segue, então, é um festival de cenas de ação muito bem orquestradas que configuram um dos maiores méritos da projeção. 

Porém, "The Avengers" encontra seu coração no sexteto de heróis. Poucas vezes assisti um filme onde os super-heróis estivessem tão brilhantemente entrosados uns com os outros. E, como se isto não bastasse, cada qual complementa o seu próximo. Thor está mais poderoso que nunca. Capitão América, um dos heróis mais desnecessários, apagados e vazios que conheço, se transforma em uma figura considerável e relevante. Viúva Negra (heroína que ainda não conhecia e fui tão bem apresentado por este longa), além de ser a melhor personagem do filme, ainda completa todas as outras figuras ao seu redor. O Homem de Ferro, por sua vez, está mais carismático, divertido e inspirado que nos seus dois filmes próprios. E, por fim, Hulk, embora seja caracterizado com a aparência do filme de Ang Lee (que, por natureza, soa bem menos aterrorizante que a de "O Incrível Hulk") se configura no patamar de personagem mais horrendo de todo o filme. Consequentemente, a junção de todas essas cinco personalidades tão bem criadas só poderia resultar em cenas muito divertidas, certo? Em parte sim. Algumas situações propiciam alívios cômicos precisos e inspirados que cuidam de divertir o público no intervalo entre uma sequência de ação e outra. Contudo, esse mesmo roteiro que emprega gags interessantíssimas erra, vorazmente, na construção de diálogos expositivos e, principalmente, frases de efeito (quase sempre proferidas por Fury - interpretado por Samuel L. Jackson). Claro que o demérito das frases enfáticas não recai somente sobre o script, mas também sobre a horrorosa performance de J. Jackson que apenas confere mais artificialidade às frases já forçadas por natureza.

Felizmente, a única atuação que possa ser classificada como péssima é a do veterano Samuel, já que o resto do elenco está afiado e sintonizado. Há tempos não presenciava uma Scarlett Johansson (Viúva Negra) tão inspirada, ou um Downey Jr. (Homem de Ferro) tão positivamente esnobe. Corroborando também para o êxito do cast, Mark Ruffalo só comprova o quanto evoluiu nos últimos anos. Apesar de não desempenhar um trabalho tão bom quanto sua estupenda performance em "Minhas Mães e Meu Pai", não deixa a desejar ao interpretar seu papel, ao meu ver, melhorando o trabalho que Eric Bana realizara.

Porém, o que faz este filme necessitar de uma tela grande, uma sala escura e um som potente é a sua qualidade técnica. Dotado de efeitos visuais deslumbrantes, que dificilmente passarão despercebidos ao Oscar 2013 nesta categoria, uma mixagem de som poderosa, minimalista e impressionante e um ótimo 3D - que só acrescenta mais diversão e emoção às cenas de batalha -, este mais novo exemplar da Marvel Studios PRECISA de todo este aparato para poder ser sentido e contemplado. Embora algumas vezes fique bem difícil de fazê-lo, mesmo em uma sala de cinema.

Portanto, numa visão macro, "Os Vingadores" é isto. Cheio de altos e baixos, erros e acertos. Prometia ser "O" filme de super-heróis do ano mas não, é apenas mais um exemplar genérico e medíocre deste tema.

Gênero: Ação/Aventura
Duração: 134 min.
Ano: 2012