(Obra-prima)
Alguns filmes possuem um poder emocional tão grande que é impossível esquece-los. Este é o caso de "O Cozinheiro, O Ladrão, Sua Mulher e o Amante". Aos cinco minutos de projeção já estava arrebatado com a grandeza e magnitude desta obra-prima!
A história é um tanto simples: Um mafioso é dono de um restaurante no qual vai jantar todos os dias, junto de sua mulher e seus empregados (um deles interpretado satisfatoriamente bem por Tim Roth). Lá, sua mulher conhece e se apaixona por um outro homem. Eles iniciam uma paixão tórrida regada a sexo e comida.
Mas não pense que é um filme agradável de se assistir. Pelo contrário, ele é nojento e repulsivo. Trata a comida de uma forma desagradável, por mostrar os bastidores do restaurante. Na parte externa e na cozinha do mesmo presenciamos o processo de preparamento das refeições servidas às pessoas no salão principal. Nos deparamos com caminhões recheados de carnes podres, cães caminhando em meio aos alimentos e pessoas sem camisa, soadas cortando legumes em uma cozinha suja e infecta. E é lá que os amantes irão se encontrar para fazerem sexo. Em uma das cenas mais repulsivas, o casal transa em meio a peixes e cabeças de porco em estado de putrefação. Aliás, as cenas de sexo, bem como todo o resto do filme, são de um lirismo ímpar! Apesar de nojentas, são líricas, um paradoxo gritante!
"O Cozinheiro, O Ladrão, Sua Mulher e o Amante" retrata o ser humano como um animal, semelhante a um livro naturalista. Seus olhares e suas atitudes denotam que a qualquer momento estão prontos para atacar verbal ou fisicamente o próximo. E, desconstruindo cada um dos personagens do título, chegamos a conclusão de que o menos animalesco é justamente o amante, sempre passivo, calmo e racional. O cozinheiro serve somente como protetor do casal de amantes, abrigando e encobrindo seus encontros sexuais. O ladrão é o mafioso, apresentado como a figura mais desprezível do filme. O mais semelhante à um animal. Não exita em agredir e ofender seus empregados ou clientes. É absurdamente violento, anti-ético e descontrolado. O mais detestável de toda a produção, sem dúvida. A mulher, esposa do mafioso, interpretada maravilhosamente bem por Helen Mirren, é insegura, infeliz e retraída. É apresentada claramente como escrava sexual de seu marido. Em certa cena, ela fala: "Ele tem uma caixa, ao lado da cama, com uma escova de dentes, uma colher de pau, um trenzinho de brinquedo e uma garrafa de vinho. Ele me faz usar tudo aquilo. Se eu não fizer por vontade própria, ele faz, e quando eu faço, dói menos!". E o amante, como já referido acima, é seguro, racional e tranquilo.
O filme se desenvolve somente em dois ambientes: o restaurante (sua parte externa, a cozinha, o salão principal - onde se janta - e o banheiro) e o apartamento do amante (um lugar cheio de livros velhos empilhados). Tudo isso é construído da forma mais genial possível pela magnífica direção de arte, que retrata o lado externo e a cozinha do restaurante de uma forma bem teatral (a própria estrutura foi montada em um galpão), e repugnante, com um chão sujo, alimentos espalhados em todos os cantos e (em algumas vezes) fumaça vinda do chão, como se fosse proveniente de um esgoto. O salão principal é requintado, limpo e organizado, com uma forte tonalidade de vermelho, uma clara ironia, uma vez que os clientes comem a comida sem saber ou se importar com as condições sanitárias do lugar de onde esta veio, simplesmente porque o ambiente onde jantam transmite organização. E o banheiro é branco. Exageradamente branco. Toda a magnitude da direção de arte de "O Cozinheiro, O Ladrão, Sua Mulher e o Amante" é ressaltada pela fotografia também excelente, que opta por cores fortes e vibrantes, refletindo o caráter da paixão do casal principal, e o uso brilhante de sombras e pouca iluminação, nos momentos certos, para acrescentar mais sensação de falta de higiene. E o figurino, estilo barroco, extremamente exagerado, denota o poder financeiro dos clientes.
"O Cozinheiro, O Ladrão, Sua Mulher e o Amante" lembra muito Federico Fellini, pelo lirismo e com certeza influenciou Lars Von Trier a fazer a obra-prima "Dogville", e sua sequência "Manderlay".
Enfim, é uma obra-prima maravilhosa! Um filme essencial para qualquer cinéfilo! É forte, sensual e cativante. Quando esta produção se encerra, deixa o espectador boquiaberto e nauseado!
Gênero: Drama
Duração: 124 min.
Ano: 1989