(Muito bom)
Para início de conversa, devo satisfações a todos os leitores recorrentes que notaram meu gigante hiato de quase 6 meses neste blog. Como alguns devem saber, além das análises fílmicas, sou universitário e estagio na própria universidade. A carga horária destas atividades requer muito tempo livre e, nos momentos de descanso, geralmente não tenho inspiração para escrever os textos regulares do C de Cinema pois o cansaço é muito grande. Felizmente, àqueles que notaram minha ausência, estou em período de férias e com uma disponibilidade bem maior de horário para me dedicar a esta página. Mesmo com meu afastamento, a ideia de encerrar as atividades deste blog nunca passaram pela minha cabeça. Portanto, se esta situação voltar a se repetir de tempos em tempos, saibam que esta se dá por força externa, não por vontade própria.
Dito isso, nestes últimos dias venho conferindo os filmes lançados comercialmente neste ano de 2013. Dentre diversas sessões - algumas ótimas ("O Passado", "O Hobbit", "Capitão Phillips"...) e outras nem tão boas assim ("Machete Kills", "Um Estranho no Lago"...) - o novo filme de Nicolas Winding Refn foi o que mais me chamou a atenção. Não necessariamente por sua qualidade (embora seja um dos grandes filmes do ano), mas pela aura mística e enigmática que banha cada um dos quadros da projeção. Vale avisar aos navegantes que pretendam embarcar neste sonho gore e obscuro, que talvez "Only God Forgives" não agrade a todos da mesma forma que o filme anterior do diretor, "Drive".
Novamente trabalhando com Ryan Gosling, o diretor nos submerge no submundo tailandês, onde Gosling é um traficante que tem seu irmão morto pelo chefe da polícia local. Sua família então o obriga a se lançar em uma caçada em busca de vingança. Embora se assemelhe muito a uma trama popular e genérica de um filme policial qualquer, o tratamento dado por Refn à estória foge de qualquer padrão estabelecido pelo gênero.
A abordagem continua a mesma de seu filme anterior (o que torna comparações inevitáveis), onde se privilegia, acima do desenvolvimento da narrativa violenta, o que se possa extrair desta violência. Todas as consequências e pormenores ocasionados por um ato violento são decupados. Se em "Drive" há um equilíbrio brilhante entre a glamourização estética e a popularidade da produção, em "Only God Forgives" qualquer indício de caráter popular na trama se perde por completo. Este longa é bem mais underground e alternativo que "Drive". A começar pela estética extremista. O diretor parece privilegiar acima de tudo o silêncio generalizado durante a projeção. O som ambiente é apenas entrecortado pela trilha sonora - excelente, por sinal - já que os diálogos acontecem apenas quando estritamente necessários. O próprio protagonista tem sua primeira linha de diálogo em mais de 20 minutos de projeção.
E enquanto o silêncio domina o som, a belíssima fotografia toma conta dos enquadramentos metódicos. O contraste entre vermelho e azul extremo e a parca iluminação criam ambientes tão claustrofóbicos e angustiantes que mais se aproximam de sonhos perturbadores. Esta abordagem imagética talvez seja a mais acertada por parte de Refn, uma vez que contribui com sua montagem um tanto psicodélica, a qual tenta estabelecer um mundo onde a fantasia gira em torno da realidade (ou vice e versa), ao entrecortar cenas palpáveis e reais com a imaginação e onirismo do protagonista (vide a primeira cena sexual de Gosling, onde este tenta se excitar com uma prostituta em sua frente, mas é perturbado pela aparição constante e assombrosa do vilão máximo do filme).
Seja pela montagem lenta, pela evolução pausada ou mesmo pela precisão dos enquadramentos, esta talvez seja a obra mais kubrickiana que Refn tenha realizado em sua carreira. Diversos planos são homenagens latentes ao mestre do cinema. Vale ressaltar a sequência do karaokê no restaurante, que soa como uma paráfrase atualizada das sequências em que Alex e sua gangue se drogam com Moloko Vellocet, na obra-prima da ultra-violência, "Laranja Mecânica".
Mas a questão que se deve indagar no momento é: até que ponto a técnica admirável e a lentidão narrativa são sinônimos de uma abordagem estilizada e inteligente e onde começam a mascarar uma fragilidade e superficialidade do roteiro e da própria direção? Embora admire deveras a coragem do realizador em se aventurar em um projeto tão alternativo em um mercado cinematográfico tão alienado e conservador, há de se levar em conta que, por ventura, a opção não tenha sido tanto uma opção, mas sim a única alternativa de levar o projeto à frente. Uma vez que este tipo de estética exige muito mais tempo para o desenrolar da trama, seria a melhor solução para uma estória rasa, sem conteúdo sequer para um média-metragem, certo? Pois bem, à interpretação de alguns é isto que pode aparentar. Pessoalmente, não concordo com a descrição, mas é fato que muitas das cenas de "Only God Forgives" poderiam, sim, ser cortadas ou mesmo reduzidas pela metade em sua duração sem perda nenhuma de significado.
Por fim, dotado de um encerramento completamente perturbador e sanguinolento, este longa merece aplausos pela ousadia, mas ressalvas pela ideologia de seu diretor. Certamente dividirá a opinião da crítica e do público, mas sou parcial a Refn. Este dinamarquês pode facilmente iniciar uma nova onda de filmes policiais, com um pouco mais de conteúdo, e na atual situação de nosso cinema, não podemos reclamar de uma mudança nestes padrões. Com suas verborragias à parte, "Only God Forgives" cumpre o que promete e faz refletir pelas suas cenas de violência e pela perturbadora relação mãe e filho. Apesar de ter uma outra visão sobre o filme, vou encerrar este texto parafraseando Marcelo Hessel, em sua crítica do filme ao Omelete: "Poucas vezes desde a sanguinolenta peça de Sófocles de 427 a.C. um complexo de Édipo resultou em tanta carnificina quanto em "Apenas Deus Perdoa" [...] Porque tem gente que interpreta aquela história de "voltar ao ventre" de forma bastante literal."
Gênero: Ação
Duração: 89 min.
Ano: 2013
Marcadores:
Críticas
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