(Muito bom)
Todo vício é nocivo. Porém, o vício em sexo pode ser classificado como um dos piores exemplares desta doença por atingir, não (diretamente) o corpo, mas a mente. E, quando o psicológico de uma pessoa não está equilibrado, o indivíduo pode facilmente perder o controle de sua vida. E é exatamente isso que acontece com Brandon, vivido por Michael Fassbender, adepto exagerado ao prazer, que busca satisfação a todo momento, em todo lugar, nem que isto implique em se masturbar no trabalho ou se embrenhar em uma boate gay - sendo heterossexual - almejando, apenas, mais uma ejaculação.
E notem que usei o termo "...mais uma ejaculação." porque é assim que o protagonista enxerga não só a relação sexual (ou o prazer auto-infligido), mas também o mundo ao seu redor. A todo momento Brandon procura formas de alcançar o orgasmo e o banaliza, pela quantidade de vezes que já o atingiu. As mulheres, então, passam a se tornar meros objetos sexuais e seu computador apenas uma ferramenta para navegar em sites pornográficos e buscar mais e mais conteúdos explícitos. Seu mundo se torna vazio e ele, um ser-humano frio e calculista. Uma das cenas que melhor representa esta condição interna da personagem acontece logo na abertura do filme (compactada em um prólogo maravilhosamente bem orquestrado e pautado por uma trilha sonora emotiva e conivente), quando o protagonista se encontra em um metrô e começa a olhar uma mulher sentada a sua frente. Porém, sua feição não é zelosa e carismática, mas sim pervertida e maliciosa.
E ainda me apossando desta mesma cena, cito uma característica sensacional da atuação de Fassbender: seu olhar. Mesmo que seu rosto acuse um desejo sexual desvairado, seus olhos lançam um olhar de desespero e desesperança, denotando que, apesar de não externalizar, Brandon sofre por seu vício, sofre por ser incapaz de contemplar a beleza de uma mulher, ou mesmo da vida.
Em contrapartida, se de um lado tem-se a brilhante atuação de Fassbender, de outro há um roteiro que, ao meu ver, não corroborou como deveria para a abordagem da doença. Não que o público não seja apresentado às dores da personagem viciada, mas a questão não é aprofundada como deveria. "Shame" poderia se aventurar e explorar muito mais esse universo dos viciados em sexo e suas consequências sobre os indivíduos envolvidos. A maior parte das questões que foram expostas sobre o tema, ao espectador, aconteceram por parte da excelente performance de Michael e de seus olhares expositivos, não do script. O que me leva a crer que, sem ele, o filme poderia facilmente se tornar um fracasso. Ou melhor, não apenas ausente dele, mas também de Steve McQueen, diretor competente que realiza cenas e planos-sequência maravilhosos, como o da briga entre os irmãos, onde acompanhamos tudo com as personagens viradas de costas para o público, e até mesmo as cenas ousadas de sexo excepcionalmente bem dirigidas. Destaque para a sequência onde Brandon mantém relações sexuais com duas garotas, enquanto, ao fundo, acompanhamos uma narração em off deveras poética, regada à uma trilha melancólica.
Na verdade, não só a trilha sonora deste longa é melancólica, mas também a fotografia que, inteligentemente, personifica a indiferença no mundo da personagem principal, utilizando-se de cores frias e mortas. Não obstante, a montagem também contribui para tal efeito. Empregando alguns planos logos, manifesta no espectador a sensação de desmotivação, como se nada mais em sua vida importasse realmente, exceto o sexo.
Por fim, encerrando-se da melhor maneira possível e consagrando Michael Fassbender como um ator injustiçadamente esquecido pelo Oscar, "Shame" passa seu recado muito bem, sob a forma erótica e lírica da narrativa. Todavia, poderia ter ido muito mais além. Com um roteiro melhor trabalhado, alcançaria reais chances de ocupar o primeiro lugar na lista dos melhores filmes lançados mundialmente ano passado, já que possui tantos outros elementos que funcionam magnificamente. Porém, se serve como consolação, tranquilamente se posiciona entre os 10 mais deste mesmo rol.
Gênero: Drama
Duração: 104 min.
Ano: 2011
Marcadores:
Críticas
1 comentários:
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