351. Drive

sábado, 24 de março de 2012
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(Excelente)

Quando comprei meu ingresso, meu refrigerante e me sentei na poltrona central da sala escura, confesso que não esperava ser arrebatado da maneira que fui, por este obra de excelência. Tachado por muitos como um retorno às ações oitentistas, "Drive" não só confirma esta teoria e cumpre bem seu papel, como vai muito mais além, apresentando ao público um trabalho voraz, impactante e ao mesmo tempo belo. Muito belo!

Um motorista trabalha como dublê de filmes de ação e mecânico durante o dia e à noite ganha dinheiro extra realizando trabalhos para o sub-mundo do crime de Los Angeles. Sua vida muda quando se apaixona por sua vizinha, casada com um presidiário. Quando o marido de sua amada obtém liberdade da prisão, o motorista se vê obrigado a ajudá-lo a conseguir dinheiro para quitar uma dívida com mafiosos, antes que os mesmos matem a esposa e o filho do presidiário. Porém, tudo se desdobra erroneamente, e o ex-detento acaba morto. A partir daí, o motorista se lança em uma jornada desenfreada em busca de vingança. 

E, para início de conversa, os maiores méritos deste longa são dois: seu total desgarramento de pretensões e sua homenagem sutil, porém vívida aos filmes de ação dos anos 80. É completamente desprovido de pretensões pois, se decuparmos a trama em si, notaremos que sua plot é bem básica e que em nenhum momento o roteiro aposta em interações mirabolantes entre vários personagens, onde chegamos na metade da projeção sem lembrar mais quem é quem. O script adota um viés muito mais simples, para poder se focar mais na vingança em si e no aprofundamento do personagem. Personagem este (o motorista), aliás, que é otimamente construído. Inicialmente apresentado como alguém metódico, contido e reservado, mais tarde, sua persona se deteriora e conseguimos, finalmente, nos deparar com seu verdadeiro caráter adormecido do protagonista. Ele libera toda a sua raiva e frustração em seu plano de vingança, assassinando seus oponentes de forma extremamente violenta e inesperada. Contudo, em uma cena específica (quando sua paixão o olha com uma feição de horror, sem saber o que aquele homem pacífico se tornou - ou pelo menos o que escondia por trás de sua faceta) percebemos claramente o conflito interno pelo qual o referido está passando. Ao mesmo tempo em que possui sede de dar o troco, também gostaria de poder simplesmente esquecer o assunto e seguir a diante. E esta sensação de sufocamento é sensacionalmente externalizada por um Ryan Gosling maduro e no melhor desempenho de sua carreira. 

Agora, continuando na linha dos pontos positivos, é merecedor de destaque nesta análise um parágrafo acerca das referências de "Drive" ao universo dos 80's. A começar pela fonte dos créditos iniciais e finais, passando pela semelhante ousadia apresentada pelos filmes de mesmo gênero daquela época e parando na utilização de vários carros da década referenciada. Além disso, a montagem utiliza-se de mesmos recursos e estilos de edição, e a trilha sonora lembra muito as ações de 30 anos atrás. Mas, principalmente, o que mais chama a atenção no âmbito técnico é a fotografia que se apossa de angulações e iluminações típicas. Notem que em nenhum - ou pelo menos pouquíssimos - momentos usa-se a câmera na mão. E são este pequenos detalhes que fazem toda a diferença no filme. 

Não obstante, os planos em slow motion cuidam de conferir um lirismo extra ao filme, e o final é de um pessimismo e de uma beleza discretos, porém, eficientes. O que acaba colocando este longa no patamar dos cinco melhores filmes do ano passado. E, por obséquio, ao final da sessão estava atordoado. Havia sido sugado pela mesma onda de violência que dominara o motorista e estava pasmo. Por isso tenho vontade de gritar em alto e bom som: "Drive" é o melhor filme de ação lançado nos últimos anos!

Gênero: Ação
Duração: 100 min.
Ano: 2011

350. Deus da Carnificina

quarta-feira, 21 de março de 2012
Postado por Selton Dutra Zen 2 comentários


(Bom)

Sempre conservei uma curiosidade mórbida em saber como reagiriam os pais de um agredido, quando se defrontassem com os pais de um agressor. Portanto, não poderia perder uma obra como esta, que prometia repaginar o tema "bullying" para algo de dimensões muito maiores: o confronto não só entre crianças, mas entre adultos também. E Polanski obteve êxito. Acrescentou uma roupagem totalmente nova à um tema que já havia caído na mesmice há muito tempo. Mas, apesar de contar com este e outros méritos, "Deus da Carnificina" está longe de ser um filme realmente espetacular.

A trama é simples (e abordada de forma objetiva, no filme de menor duração dentre os longas do diretor - 79 minutos). O filho de um casal, interpretado por Kate Winslet e Christoph Waltz, agride o descendente de um outro casal, levado à tela por Judie Foster e John C. Reilly. O casal lesado decide convidar a dupla antagônica para uma conversa em seu apartamento. A partir daí, a tensão vai crescendo de forma gradual, expondo as personagens à situações limites. 

E, conforme os minutos vão se passando, é impossível não se recordar de cineastas como Mike Nichols e Luis Buñuel. O primeiro vem à mente pelas semelhanças gritantes deste projeto para com o maravilhoso "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?", obra inicial de Nichols. E Buñuel surge mais constante em nossas lembranças, pelo tom satírico que este mais novo trabalho de Roman Polanski carrega, seja em suas entrelinhas, ou mesmo em sua superfície. E justamente esta aura de sátira é que configura o maior ponto positivo do filme. Algumas situações cômicas são empregadas como crítica à sociedade burguesa e hipócrita, como as sequências do vômito, do arroto e da embriaguez de Winslet. E todo esse tom "bem-humorado" (por falta de termo melhor), só é maximizado e melhorado pelas ótimas performances de todo o elenco. Alguns podem tachar os desempenhos de artificiais e exagerados, mas na verdade, corroboram exatamente com o espírito do filme em si. Foster, como mãe calma e decidida, personifica perfeitamente a hipocrisia, enquanto as personas de Waltz e C. Reilly cuidam de escrachar a podridão da classe social (e da sociedade, de modo geral) apresentada. Por fim, Winslet representa o modelo de mulher que tenta, a todo custo, preservar as aparências ante os demais. 

Em contrapartida, a mesma direção que acerta em cheio na criação e manutenção da sátira, peca por não apresentar as reações condizentes das personagens, diante das situações a que são expostas. Este filme carece de momentos mais impactantes e personagens explodindo de forma muito mais crível. Pego o papel de Jodie como exemplo. Conforme citado acima, sua personalidade é a mais calma e determinada dentre os quatro. Durante toda a projeção, ela se mantém controlada. Até mesmo nos momentos em que possui crises de raiva e desespero, ela externaliza esta sensação de forma cuidadosa, sempre zelando para não falar aquilo que não deve, em termos muito pesados. O que acaba prejudicando consideravelmente obra.

Porém, no encerramento da projeção, o cineasta lança uma discussão interessante acerca da acomodação, criação de filhos e convivência em sociedade. E isto, no final das contas, acaba perdoando alguns pecados que Roman conserva durante este pequeno teatro filmado.

Gênero: Drama
Duração: 79 min.
Ano: 2011